quarta-feira, 30 de março de 2011
Quebra-Cabeça
Sem alarde, mas pontual
o sol se levanta
distribuindo no oceano
o seu rastro de ouro.
O leão ruge
pra espantar a fome
e o medo brinca
no gemido da presa.
Qualquer grilo ensaia
o seu pulo pra vida
como da torre o relógio
já bem cedo desperta.
A porta se abre
na ânsia de entrar.
Quem bate?
- Uma voz interior pergunta.
Hoje o coelho trabalha
afiando os dentes
os dentes que serão
a fadiga de amanhã!
Mas, e o homem?
- O homem é um coelho roendo a vida
rói rói rói
enquanto o tempo o destrói...
segunda-feira, 21 de março de 2011
Rotina Doméstica
6 horas da manhã.
Manhã que começa na goela do galo
e na mulher que madruga.
Colheres de açúcar na cafeteira – prepara-se a gosto...
Marido e filhos tomam café.
A rotina sempre a mesma - im-pla-cá-vel:
casa família família casa.
O dia se esvai na extensão da sala, e ela não vê.
Somente na transversal a noite se mostra, entre
luzes tímidas e móveis adormecidos; mas ela não dorme.
Como um girassol na noite, a mulher
floresce e se entrega pontualmente ao marido.
Rotina.
Manhã na goela do galo.
Família casa casa família.
O café sobre a mesa... Marido e filhos...
A noite sempre atrás do dia. Rotina.
E nos olhos fundos
aquele estresse certeiro, certeiro...
A mulher, superando-o, se supera.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Porque o Mau Inquilino Somos Nós
Por que será que milhares de peixes às vezes agonizam
em rios e mares, à espera da morte?
Porque o mau inquilino somos nós!
Por que será que não se respira mais o ar de antigamente,
puríssimo, para a felicidade dos pulmões?
Porque o mau inquilino somos nós!
Por que será que as geleiras – velhos arranha-céus polares –
agora se dissolvem como castelo de areia?
Porque o mau inquilino somos nós!
Por que será que antes não sentíamos falta dos animais nativos
- esses que hoje já beiram o caos da extinção?
Porque o mau inquilino somos nós!
Por que será que deixamos vastas extensões de áreas verdes
cederem lugar à ambição das queimadas?
Porque o mau inquilino somos nós!
Por que será que os rios, onde na infância nos banhávamos,
se mostram hoje terrivelmente assoreados?
Porque o mau inquilino somos nós!
Por isso, por tudo o que é mais sagrado nesta vida,
e em nome da tua própria existência,
ó Terra, expulsai-nos do teu lar!...
quinta-feira, 3 de março de 2011
Jornalismo Urbano
Um caso de policia:
moça morena se atira do décimo andar.
Corpo devassado circula na primeira página
e na língua afiada do povo.
Entretanto, na aspereza da calçada,
a moça não parece moça: estatelada,
desfigura-se,
e perde o sentido de ser,
ou de pelo menos ser corpo.
Agora, sepultada, ela sumira para sempre
( sem importância nenhuma )
da memória do povo e dos jornais
que já farejam outra tragédia
ainda mais feia e maior.