A policia carioca fez outra incursão numa grande favela da cidade. O chefão da área desta vez não impôs resistência, e se escafedeu - pernas pra que te quero! - deixando os comparsas abandonados à própria sorte. Armas e drogas apreendidas, além da descoberta de meia tonelada de produtos contrabandeados do Paraguai, assinalaram o êxito daquela operação.
Mas como nesta vida nem tudo é perfeito, e em toda a regra há exceção, a exceção ali também se fez presente sob a figura suspeita de um policial militar. Um brutamontes de meter medo. E dito e feito.
- Mãos ao alto!... Aqui é a policia... Identifique-se.
- Pois não, doutor... eu... eu sou morador... estou apenas descendo pra trabalhar.
- Qual é o teu nome? Vamos, diga!
- Augusto César, mais conhecido como o “imperador do pedaço”.
- Como? Augusto o quê?
- Augusto César, doutor... e a seu inteiro dispor... - repetiu o morador, um mulato de boa pinta, abrindo um sorrisinho de piranha.
- Deixe de besteira, malandro, e me passe a identidade!
E como temesse o pior, o mulato abriu a carteira que trazia na mão e sacou o documento de identidade, mas o fez com tanta desatenção que quase deixou cair as duas únicas notas de vinte reais.
- Aqui está.
- Vamos ver!... Ok! O nome confere, pode guardar.
- Agora posso ir?
- Calma aí, neguinho!.... Só te libero se você me der um “mônei”.
- Não entendi.
- Não se faça de bobo: eu quero dinheiro, MÔ-NEI, e sei que você tem...
- Tá bom, chefia, eu confesso que tenho...Mas são só vinte reais.
- Passe pra cá!...
Reagir? Numa situação dessas, quem pensaria em reagir? Pior: quem lá na cidade acreditaria na versão barata de um pobre morador de favela? Porém o morador armou-se de coragem e reagiu. Não botou a boca no mundo, é verdade, mas com um olhar súplice experimentou apelar para o coração filial do brutamontes. E não é que deu certo?
- Por favor, não faz isso comigo não! O senhor com certeza tem mãe ou já teve um dia, e sabe como é duro não atender a um pedido de uma mãe sofredora. Com esse dinheiro eu ia comprar um arranjo de flores pra enfeitar o caixão de meu pai, que morreu ontem. Entendeu o meu drama, chefia? Se o senhor tem coração, aposto que vai entender...
Por mais que a gente duvide às vezes da generosidade alheia, o policial provou deveras que tinha coração, solidarizando-se:
- Quantos anos tinha o teu pai?
- 80 anos.
- E de que ele morreu, posso saber?
- Sei lá, doutor. Ele estava sentado na varada de casa, e de repente deu um troço nele, e pá! caiu mortinho no chão!
- Ah... Meus pêsames!... Mas me diz uma coisa: quanto acha que custa um arranjo de flores?
- Uns vinte reais, por aí...
Nisso o policial coçou de leva a cabeça; e afundando a mão no bolso da farda, retirou de lá as duas notas de vinte.
- Toma aqui esse dinheiro... isso deve servir... Mas é emprestado, ouviu?
- Ahn...
- E por favor, não conte nada a ninguém!... Bico fechado, amigo. É que eu não gosto muito de publicidade, contar vantagens, essas coisas...
- Ok! Entendi. Obrigado... tchau!...
- Tchau... Mas amanhã eu volto pra acertamos as contas!
1 comentários:
gostei muito dessa cronica. isso acontece muito em favelas do Rio.
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